A pimentinha da casa, por favor
- 22 de janeiro de 2014|
- 21h26|
- Por Junior Milerio
“Tem o molho de pimenta da casa?” é provavelmente das perguntas mais repetidas em restaurantes Brasil afora. O vidro com pimentas temperadas e curtidas é uma instituição que atravessa toda a cena gastronômica, do boteco da esquina ao restaurante chique, com igual esmero e método.
ILUSTRAÇÃO: Francisco Martins/Estadão
Essa ardida companheira das refeições faz até a clientela perder a compostura. “Em um mês, já cheguei a substituir até dez recipientes que ‘somem’ das mesas”, diz, aos risos, Kátia Barbosa, chef de cozinha do Aconchego Carioca. “Teve até uma cliente que veio confessar: agora vou começar a pedir, não vou mais levar o vidrinho de pimenta escondido para casa.”
Querer levar para casa o molho de pimenta da casa é desejo tão comum que não são poucos os restaurantes que vendem suas criações. No Mocotó, molhos como o de pimenta agridoce (R$ 12,90) e de pimenta biquinho (R$ 8,90), criados pelo chef Rodrigo Oliveira, estão à venda no empório da casa.
Apesar de ser presente em tantas mesas, a pimenta ainda carece de cuidado quando o assunto é a oferta de molhos prontos fora do ambiente do restaurante. “Infelizmente, os produtos no mercado sempre foram muito genéricos”, diz Leo Spigariol, da De Cabrón, empresa que cria molhos de pimenta e vem fazendo parcerias com chefs para desenvolver rótulos para restaurantes. “O mercado dos molhos de pimenta é comparável ao de café ou vinho 15 anos atrás: há pouquíssimas marcas e produtos muito homogêneos. É um contrassenso, já que o brasileiro sempre gostou de pimenta.”
Gostamos de pimenta, é verdade, mas, de modo geral, preferimos as que não ardem muito, diz Marcella Laje, professora de gastronomia do Senac – a não ser em regiões com mais influência da cultura africana.
Gostamos de pimenta, é verdade, mas, de modo geral, preferimos as que não ardem muito, diz Marcella Laje, professora de gastronomia do Senac – a não ser em regiões com mais influência da cultura africana.
Nesta página, contamos a história dos molhos de pimenta de oito casas, de botecos a restaurantes – e damos uma fórmula básica para você criar o seu.
Esperamos as ardorosas reações: nossas redes sociais e os comentários aqui do site estão abertos para você contar qual é seu preferido que ficou de fora.
Aconchego Carioca
FOTO: Robson Fernandjes/Estadão
O molho do restaurante Aconchego Carioca, que nasceu no Rio e hoje tem filial em São Paulo, é feito com azeite e leva sempre de cinco a oito variedades de pimenta. Os tipos mudam dependendo da época do ano. “Tem pimenta que não dá o ano todo”, diz a chef Kátia Barbosa. Ela faz o preparo semanalmente e leva todos os ingredientes juntos ao fogo. Segundo ela, isso evita que o molho precise curtir depois de pronto. As ervas, sempre frescas, podem ser tomilho e louro. O segredo? “O colorido”, despista a chef.
Alameda Jaú, 1372, Jardins São Paulo, 3062-8262
Alameda Jaú, 1372, Jardins São Paulo, 3062-8262
Toca do Coelho
São mais de dez tipos de molhos de pimenta, da aromática cumari à pungente malagueta – a mais pedida na Toca do Coelho, em Pinheiros. Os donos não contam o segredo da receita, só dizem que usam alho e ervas. A mistura descansa no óleo em garrafas de cachaça por três meses. Só então é processada, dando origem ao molho espesso que acompanha o coelho grelhado, entre outros pratos do restaurante. “O sucesso é tanto que os clientes encomendam para levar pra casa”, diz Ricardo Chaim, um dos sócios.
R. Teodoro Sampaio, 507, Pinheiros, 3085-9653
R. Teodoro Sampaio, 507, Pinheiros, 3085-9653
Attimo
No Attimo, a pimenta tem lugar especial na mesa. “No interior, a gente gosta muito de pimenta, mas tem que ser da braba”, brinca o chef Jefferson Rueda, que é de São José do Rio Pardo, interior paulista. Por isso, pelos menos três tipos de molho acompanham os pratos que saem de sua cozinha. O primeiro é uma mistura de pimenta-malagueta com cravo e canela, temperado com cebola e alho, e servido em minibisnagas. Outro leva pimenta-cumari, a preferida do chef, curtida por três meses em cachaça – no caso, a Cachaça da Lage. “O álcool equilibra a ardência”, diz. Mas o molho mais ousado do Attimo mistura malagueta e melancia. A doçura da fruta com a picância da pimenta resulta em um molho espesso e equilibrado. Uma dica do chef: “se quiser a melhor pimenta de um restaurante, peça a da cozinha, que os funcionários comem. Não falha”.
R. Diogo Jacome, 341, Vila Nova Conceição, 5054-9999
R. Diogo Jacome, 341, Vila Nova Conceição, 5054-9999
Estadão Lanches
Criado para escoltar o famoso sanduíche de pernil, o molho de pimenta do Estadão Lanches é uma tradição. Desde 1974, a receita permanece intocada. O preparo parte de pimentas-malaguetas frescas, sem o cabinho, que secam de um dia para o outro. “Depois, acrescentamos óleo, azeite, louro e alho, e deixamos curtir por um mês”, diz o gerente Cícero Diezzi. Ele garante que o molho vai bem com outros pratos da casa, como a costela de boi e o picadinho.
Viaduto Nove de Julho, 193, Centro, 3257-7121
Viaduto Nove de Julho, 193, Centro, 3257-7121
Arturito
FOTO: Sérgio Castro/Estadão
Para acompanhar as empanadas que saem do forno a lenha do Arturito, o chef Thiago Bañares criou um molho pouco convencional. A base são as pimentas-malaguetas, que vão para o desidratador para perder a umidade – o que aumenta a durabilidade do molho. “Dá para fazer no forno mesmo, com a porta aberta, em baixa temperatura, por 30 minutos”, diz o chef. A pimenta desidratada é então levada ao fogo com óleo de canola e depois triturada junto de uma colher de sopa de chipotle (pimenta defumada de origem mexicana). “Depois que esfria, fica um caldo bem vermelho e potente.” O molho não só passou a ser pedido pelos clientes para acompanhar outros pratos como também serviu de base para criações como a salsa criolla.
R. Artur de Azevedo, 542, Pinheiros, 3063-4951
R. Artur de Azevedo, 542, Pinheiros, 3063-4951
Mocotó e Esquina Mocotó
O chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó e Esquina Mocotó, dedica muito de seu tempo a criar molhos de pimenta. Há cerca de seis meses, ele conheceu um produtor de pimentas orgânicas em Minas Gerais. Pegou um pouco de cada tipo para fazer testes e criar receitas. Dessas experimentações, saíram um molho de pimentas amarelas, outro de cumari do Pará e um com base de tucupi. “Definidas as receitas, passei para o produtor quanto de cada pimenta precisaremos. Ele já está produzindo e os primeiros resultados já começam a chegar às mesas”, conta, animado com os molhos que terão até rótulos, já que serão vendidos no empório do restaurante. A maior parte dos molhos criados por Rodrigo é curtida em vinagre, um de seus ingredientes preferidos, que se presta muito bem a ser condutor de sabores das pimentas e dos temperos.
Mocotó – Av. Nossa Senhora do Loreto, 1100, Vila Medeiros, 2951-3056
Esquina Mocotó – Av. Nossa Senhora do Loreto, 1108, Vila Medeiros, 2949-7049
Mocotó – Av. Nossa Senhora do Loreto, 1100, Vila Medeiros, 2951-3056
Esquina Mocotó – Av. Nossa Senhora do Loreto, 1108, Vila Medeiros, 2949-7049
Torero Valese
O chef Juliano Valese escolhe a dedo os oito tipos de pimenta que são usados no molho da casa, equilibrando sabor e ardência. Feito à base de azeite, o molho não deve se sobrepor ao gosto de produtos típicos da cozinha espanhola, como peixe e frutos do mar. “A pimenta não pode agredir a proteína”, explica o cozinheiro. No Brasil, se consume pimenta muito mais pela picância que pelo sabor. Quero mostrar que é possível comer pimenta sem machucar as papilas gustativas”, diz o chef. Pelo menos uma vez por mês, ele prepara 5 litros do molho, que é temperado com ervas cultivadas na horta no restaurante. “Tem sempre quem peça um pouquinho para levar”, conta.
R. Horácio Lafer, 638, Itaim Bibi, 3168-7917
R. Horácio Lafer, 638, Itaim Bibi, 3168-7917
/ colaborou Rafael Tonon, especial para o Estado